terça-feira, 19 de outubro de 2010

De Carlos Drummond de Andrade

Do livro Sentimento do Mundo
"... Enquanto fugimos para outros mundos,
que esse está velho...
palácio em ruínas, ervas crescendo,
lagarta mole que escreves a história:
o chão está verde de lagartas mortas..."

As borboletas não nascem nesse mundo...

Aconteceu...

Ela entrou entusiasmada,
Ele a despindo dizia o que queria,
Delicadamente a roçou de setim.

Ele descobria todos os cantos desse corpo,
Por meses a fio perfurou aquela alma,
Falando de espinhos e alecrim.

Ela por vezes chorava desconforto,
Ele lhe dava ânimo com ressalva.
E prometia...

Ele respingava pingos multicores
Que escorriam pelas alvas paredes
Descolando o chão.

Ela nele via o diamante dentro do carvão
A borboleta ainda lagarta,
O pincel de uma obra prima.

Chegou o dia esperado; ele sorria...
Ela cansada daquela cama
Sonhava descansar noutro lugar.

Levantou-se caminhando lentamente
Para ver o seu reflexo na alma do bem amado.
O grito de horror lhe saíu da medula, da alma, do ventre...

Caricatura de demônios
Urdidos na alma distorcida de um temor
Capaz de abortar a própria vida.

Ela tomou banho com palha de aço,
Areia, e água raz.
Abriu o cano do gaz.

Ela, modelara pensando ser a inspiração do belo,
Mas fora do mais cínico pintor o retrato do horror.
A tela ainda ardia quando a polícia chorou desprevenida...


Novo Livro:
Asas e Desasas

Descoberta

A miragem de uma ponte,
Na aragem de um leito seco,
Rasgou as solas,
Impregnadas de vazios.

As sombras de um mal incalculável,
Sempre antes descartável
Como inexistente
Criaram o que nenhuma crença urdia...
Tanta infâmia,
Na insolência que sorria
À própria hipocrisia.

Ego ejaculando
No sádico edifício
Do canto devasso
Enganando incautos.

A abelha não merecia
Ser ferrada
Pela tarantula
Que engoliu a cotovia.

Novo Livro:
Asas e Desasas

Ilusões da vida


  


Quem passou pela vida em brancas nuvens
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu...
Foi espectro de homem, não foi homem.
Só passou pela vida... não viveu.

 

 Francisco Otaviano

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